sábado, 15 de janeiro de 2011

Três estranhos na marginal

Faz frio. As pedras soltas dão voltas na biqueira do sapato que escrevinha qualquer infinito pelo lixinho cinzento que o empoeira. É preto o sapato. As costas pesadas que carrega são de um mesmo tom pensativo que a neblina desse fim-de-tarde e as mãos nos bolsos contam nuvens de papel amarrotadas da ida à máquina de lavar a roupa. Reinicia a lenta e tensa marcha e espreita de soslaio o mar.

Este vem a passo ou correndo em marcha, quase ridículo, levitando cada perna a um compasso imaginadamente equilibrado. Nem vê o mar que se estende à direita, atrás do paredão. Muito menos os humanos.

Levanta os olhos da poeira do desânimo. Avista um homem de calções que vem desengonçado sobre a perna esquerda que é mais comprida que a direita. Não, espera... Afinal é a direita que é mais alta. Agora é a esquerda... Diabos... Enjoado, deita os olhos ao mar. As mãos saem dos bolsos para largarem as nuvens e sentirem o ar nas palmas humecidas. A fila de carros da marginal... e ele é o nome da tipologia urbana dessa estrada, sem caminho nem destino.

É melhor ter cuidado, não vá este estranho escolher sentir a colónia do meu bebé.

Mais um humano, repara sem deixar seu ritmo obsessivo.

Olha, um macambúzio... Isto há com cada personagem...

A ponta dos sapatos pretos aponta para o protótipo da mulherzinha que pariu uma criança. Umpf... E cadê o pai... - Que belo domingo, senhorita. Afirma achando que a provoca com humor, enquanto puramente repele a colónia.

Ela acelera o passo do carrinho e aproveita a passadeira e o fluxo mole dos carros no pára arranca para se esgueirar para o outro passeio.

Repara a gaivota que foge também. Da tempestade do céu de papel esmifrado. Não dos seus.

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