terça-feira, 20 de julho de 2010

O Anti-Homem

Caminhando sem apreciar a beleza à sua volta, repara apenas nisso. Vai tão preso aos pensamentos e ao peso que carrega no peito, às pedras que leva para quando chegar à montanha construir uma muralha para se proteger da dor, que nem vê que o sol tardio incendeia o céu em notas púrpura e cor de fruto, deixando a lua e as estrelas vizinhas espreitarem ainda timidamente – Quando ergui esta demanda tinha como sonho encontrar-me, mas as árvores no seu lugar olham para a minha ingenuidade de caminhante errante – Porque não te sentas à minha beira e gozas a vista e a sombra que te ofereço? Porque persistes em caminhar de olhos fechados rumo à solidão? Porque aceitas os convites da tua mente nessa tua luta pela aprendizagem em vez de ficares em paz e pronto? – Ó árvore! Tu não entendes… Eu fui feito para sentir dor e os outros não me querem lá em baixo… não têm tempo a perder na busca da felicidade. E só eu sei que não a vou encontrar, nunca a vi, eu só tenho o sal para limpar e as pedras para erguer. - Caminha para o topo e deixa a árvore à conversa com o vento e pássaros. Alguns destes seguem-nos brincando à sua volta mas ele enxota-os para ficar às voltas com o seu turbilhão e grita-lhes - Vou até ao topo da montanha para me perder de vez e quando lá chegar tornar-me-ei invisível qual vento que nem poeira levanta. Sou tão só como o extremo daquela montanha onde espero encontrar-me e fico em paz. Não se me perca ou me encontre; só sei que vou só. Já me cansei de tentar ser como os outros. Tenho um estar, um mau estar que apenas me permite o silêncio, por isso, pássaros, vão ser felizes para outro lado e não se atrevam a construir ninhos nas entrelinhas da minha muralha. Vou erguer uma redoma e ficar quieto até a morte me vir chamar e há muito que a espero! – Diz de punhos cerrados e a olhar para o céu. – Não acredito em Deus. Deus é Judas! Traiu-me. E eu vou para lá onde Judas perdeu as botas e que ninguém se atreva a vir falar comigo! – E seguiu determinado e de olhos no caminho de pedras. Apanhou mais algumas e desejou cair pela encosta abaixo dado o peso destas. Mas não! Subiu e subiu. E subiu. Chegado ao topo, nem se deu ao luxo de olhar em volta. Começou a tirar cada pedra, uma a uma, devagar, do saco e a observá-las para ver que sítio do seu projecto podiam preencher. Grande empreendimento… Logo se pôs a coleccionar mais pedras, verdadeiros calhaus afiados, redondos, grandes, achatados. Não comeu. – Ah. Finalmente sozinho. – Não mais sozinho que antes, embora. Logo fez de acordo com a sua demanda, apressada mas cautelosamente, pois, apesar de tudo, não queria morrer prematuramente; queria viver a sua até ao fim, até ao fim! E não queria ser salvo. Mas o que teria acontecido ao homem que queria viver num purgatório infernal em vida!?! Ao homem não tinha acontecido nada. Nada. Nada! O homem nunca experimentara o amor. Esse complexo mistério que alimenta as vísceras(!) de um ser. Mas a ele não. O amor, esse elixir de vida, nunca o tinha abençoado, passou-lhe à frente mas ele nunca o viu com olhos de ver, sem querer olhou sempre para o lado. À sua frente tinha agora a missão de se purgar da humanidade, de se lavar dos perfumes e costumes. Ah! Mas a vida tem tantas voltas que acabou por deixar a sua casa sem tecto, sem saber o que esperava, talvez uma chuva ou um nevão para o agonizar mais um algo. E na segunda noite, uma forte e espantosa luz veio buscá-lo para o juntar à alma unitária de todas as vidas e paralelismos possíveis e imaginários. Não teve remédio que se deixar puxar pelo pescoço. Pensava que morria, mas acabara de nascer.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

À noite

Tudo a postos? As luzes já piscam antes da chegada dos convidados, a música, claro, a música espera-os para despertar numa bateria forte, forte e ritmada como o som dos tambores e dos terramotos e dos vulcões. Mas estes terramotos e vulcões ninguém teme. E eles chegam. Chegam aos grupos de três, sete, dez, às vezes mais, e vêm preparados, expectantes para a grande noite. A pista abre com a chegada do dj numa grande entrada triunfal de profusão de instrumentos e respiração profunda e inspirada. Os copos começam lentamente a baloiçar ao estilo da dança e os corpos movem-se descontraídos mas compenetrados na pressurização que a música lhes permite. Os ventres das mulheres revibram com a batida e os homens começam a despertar para os seus movimentos sensuais e rostos alterados em sorrisos entre o à vontade e o secreto de quem ouve a música à sua maneira. Os grupos dispersam-se e unem-se outra vez, vezes sem conta, e os bares estão cheios. Mesmo quem não bebe dança como se não houvesse amanhã. E será que há? Talvez não para todos. Mas hoje é dia de festa! E isso, sim, interessa. Mais um copo! Mais um brinde! E o calor aumenta, o som sobe e a dança torna-se una. Todos dançam ao mesmo ritmo, em estilos diferentes. Parece um ritual primitivo, talvez de acasalamento. Casais tocam-se e trocam olhares que cantam. E uma quebra no som permite respirar, novo mix, uma passagem, nova música e mais uma dança. Os corpos aguentam até o dj aguentar e, no fim, pedem sempre, sempre “Só mais uma!”. Se tudo correr bem, daqui a três quinze dias, volta a festa. E todos irão voltar.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

No fim da noite, ao amanhecer

Dispo-me. Largo o casaco de pêlo falso, só uso pêlo falso, no cabide de pé pintado em marmoreado de amarelo e cinza. Dispo o vestido justo e curto e deixo-o cair. Tiro os sapatos e os collants. Solto o colar de pedras e os ponho os pendentes de lado. A roupa interior vai parar ao chão. As jóias vão para a malinha de viagem antiga e os sapatos para o armário. É Fevereiro e o chão de pedra está gelado. Caminho sobre a ponta do dedo grande e o calcanhar, numa posição bizarra para evitar que a alma do pé fique fria, tão fria como o gelo picado de uma caipirinha. Visito apressadamente a cozinha e ligo o esquentador. De volta à casa-de-banho, ligo a água quente. Espero que esteja a ferver e entro. Passo a água quente pelos pés, pernas, barriga, peito, ombros e subo até à cabeça. Deixo a água escorrer quente dos cabelos ao corpo. Sinto a reacção da pele à água e começo a soltar-me lentamente desta noite à medida que o meu corpo aquece. Revivo as imagens amorosas da tua existência. Os teus sorrisos tímidos o teu olhar directamente no meu, visitando os recantos mais profundos e preciosos do meu ser…Desligo a água por segundos para passar o champô pelo cabelo mas está tanto frio que volto a abrir a torneira. Coloco o chuveiro junto ao peito e debaixo do braço direito e sinto o calor do teu beijo na minha cara, a tua pele lisa, suave e fresca a passar pelo meu rosto num aconchegar doce e terno. Recordo a sensualidade dos meus movimentos e o teu mordiscar de lábios discreto mirando as minhas ancas, as minhas ancas de parideira às quais tiras medidas. Sim, o meu corpo foi preparado para a maternidade, para ser mãe dos teus filhos. Conheço-te há mais tempo que a minha maturidade. Lembro-me de te olhar de lado, perguntando quem é este homem…? Sim eras tu o elegante homem que mexia comigo mas a quem não me atrevia a chegar perto. Agora é inevitável. Fazes parte dos meus sonhos, és amor, luz e paixão e eu sou a mulher que te ama e tu amas isso.

domingo, 4 de julho de 2010

Aniões, Catiões, Neutrões, Protões

Sou assim, um ser que habita em cinco dimensões.

Um ser de luz em mim que vive há milhões.

Nasci assim, para alimentar os outros corações.

Como a força dos trovões.

Vivo assim, da escolha que fiz para esta vida e nas vidas já do tempo de Camões.

Tão frágil e invencível, uma roseira brava e seus botões.

Plantada pelas mãos de um sábio e seus dez anões.

Para ser amada por quem compreende o meu perfume e me lê nos meus jargões.