quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ao encontro do desencontro

Hoje viste-me passar. Tu reconheces-me mas não sabes de onde. Cruzas-te comigo no Chiado umas duas ou três vezes, tentando adivinhar de onde me conheces. Serei amiga dos teus amigos, uma aluna da tua escola, servirei nalgum bar do Bairro Alto a que costumes ir? Ficas na dúvida se a razão de me reconheceres é por ser parecida com alguém que conheces. Alguém do teu passado. Alguém do teu futuro… Lembras-te de uma teoria antiga que ainda hoje tem cor. É de um branco intenso que tem um sentido imenso para o teu olhar. Mas não te atreves a pensar. Nem tão pouco a perguntar “Conheço-te de algum lugar?”, pareceria uma forma banal de te aproximares. Precisas que as ruas me tragam de volta ao teu encontro para a tua memória ter o tempo de recordar. E assim vais-te habituando aos meus contornos, ao meu andar. E tudo começa a fazer sentido, torno-me familiar. Sorris sempre que me vês passar e eu não sorrio de volta. Ando perdida, ou demasiado comigo mesma, pensas tu, por esses caminhos dos afazeres e das relações complicadas que assaltam o ser. Resolves pensar nas horas a que nos costumamos cruzar, e que um dia eu hei de reparar em ti e dar-te a reposta que procuras, que te conheço também de algum lugar e que até sei de onde. Notas que estou naquele lugar à hora da manhã cedo, de passagem para baixo, aos fins-de-semana. Pões-te a pensar, mas não te atreverias a seguir-me! Pensas no que podes fazer a seguir. Resolves passar uma manhã no café, junto a Fernando Pessoa e fitá-lo, procurando em ti palavras sábias para o que estás a sentir à espera de me veres passar, quando me vês chegar. Sento-me. Espero cinco minutos até que me venham perguntar o que quero tomar. Peço uma água e um café, um café como aquele que já bebeste, e pedes outro. Notas que oiço a tua voz e passo de soslaio o olhar por ti. Nenhuma reacção se dá, nem um pequeno hesitar ou reflectir. Já demasiado intrigado com a tua necessidade de me observares e de me falares, vês-me retirar da carteira um pequeno bloco de notas e uma caneta de tinta permanente, enquanto bebo em pequenos golos o café quente. Vês-me a fitar o papel branco e a mover a caneta na mão, uma lista de afazeres pensas tu, e não te enganas. Acabo o café e redijo qualquer coisa breve na folha que arranco. Guardo a caneta e o bloco novamente na carteira e espero pelo empregado para lhe pagar e com ele trocar umas curtas palavras. Vês-me levantar e pegar na água ainda fechada. Qual não é a tua surpresa quando o mesmo empregado se dirige a ti com a seguinte mensagem “Uma senhora pediu que lhe entregasse isto”. O teu corpo aquece e sentes a ansiedade e a indagação transformar-se em rubor. Manténs o bilhetinho aquecido na mão, receoso do que possas encontrar e acalmas quando pensas com optimismo que pode ser o meu número de telefone. Desdobras calmamente o papel para ver uma folha onde está pintada em aguarela uma cadeira e uma mesa com vista para o mar e onde lês impresso o título “Un petit mot de Joana”. Hesitas antes de ler quais são as pequenas palavras que Joana te escreveu. Sentes a força arrebatadora do destino a acontecer contigo lá dentro, qual personagem na teia da aleatoriedade. Com os olhos a vibrar, pensas que só me poderás responder caso me voltes a ver. Será que te estou a dizer para não te perseguir, para te esquecer? Ou será uma pista para um próximo encontro. Agora confiante, baixas os olhos para o que está pintado a preto naquele desenho. Lês calmamente mas o teu coração dispara apertando-se contra o peito. Fui tua mulher noutra vida. Daí parecer-te familiar. Mas nesta vida não estamos destinados. Aprendemos juntos tudo o que era preciso aprender. Have a nice life! E assino com um coração. De repente és inundado por uma torrente de energia que se liberta, deixando o teu corpo inteiramente fresco e sentes-te profundamente aliviado e compreendido. Compreendes a mensagem e aceita-la, não sem alguma nostalgia. Paras uns segundos para relaxar com a mente em vazio e o coração cheio de aceitação. A vida parece-te ter ganho um pouco mais de dimensão e sentido. Depois levantas-te apressado e segues a rua no sentido oposto daquele que me viste partir para nunca, nunca mais me voltares a ver, e tu já sabias disso.

1 comentário:

Mariana Baptista Mira disse...

Joaninha! Muito bom este encontro desencontrado! Faz-nos estar no Chiado, a viver tudo o que descreves, a sentir a agitação única daquele lugar e aquele Fernando Pessoa a todos a olhar!!! Muitos, muitos beijinhos!!!!
Mimi