Uma história, naturalmente.
Se todas as histórias começassem com um era uma vez, o que seria dos grandes amores, dos romances, que despertam com o curto olhar trocado numa caminhada pelo jardim? Mas se todos os amores nascessem ao primeiro olhar, para onde iriam as palavras?
E se as palavras da história que me contas fossem as flores e plantas de um jardim, trevos de três e quatro folhas ou amores-perfeitos; o pé de flor que precisa do seu tempo para germinar e crescer, sem que tu o vejas passar; também eu guardo nas minhas raízes momentos invisíveis que querem na minha evolução brotar. A laranjeira, que antes que possas apreciar a flor branca e provar da laranja, não sei mais do que existir num molho de ramos atado a uma cana madura, e mesmo que não encha os teus sentidos, estou viva e isso basta-me.
Não vou partir à descoberta, como tu. A mim, chega-me o mundo que preciso de ter para ser tudo o que me é proposto ser. Assim, se for largada distraidamente na terra quente durante a Primavera, se me deres da água fresca que vais beber, sol, e talvez a irmã cana madura para me guardar dos ventos do sul, serei a mais bela árvore que alguma vez sonhaste ver. Não te desiludirei, sabes, não faz parte da minha natureza. E eu entendo assim o mundo que para ti é cheio de mistérios.
E se o vento me quer a olhar o norte, todos os dias até que esta seiva adormeça, porque chorarei eu por não conhecer o sul, se o tempo me oferece daqui tanto para ver? E os pássaros que voam e vão, alguns não voltam, fazem alegres os meus dias com canções a que a minha voz não soa, e eu retribuo a dançar devagar. Gerações inteiras a passar… Isso dá-me esperança. Talvez um dia venha a ter grandes ramos para te abraçar. Não penses tu que não tenho o espírito aceso
Os pássaros, esses são como tu. Têm asas. Ficaram num tempo onde a natureza que os move, a cada mudança de estação, é aquela que não me move a mim. E a tua, que não enche nem lagos, nem mares, nem tão pouco faz o dia e a noite aparecer, é a mesma, só que diferente. Tu indagas para que lado devem os teus ramos crescer. Tu gritas mil vezes ao céu, de mãos abertas, porque razão foi o vento do norte impedir-te de avistar também o sul! Tu mal conheces o mundo e fazes planos para lá viver. É a tua forma de existir. E eu, quando vir os navios ao fundo do horizonte vou saber que és tu, na tua viagem pela vida. E eu, quando te vir regar-me, vou saber que és tu, sem tão pouco adivinhar que vida vives para além da que me dás. Nisso somos iguais, vês?
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