sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O monólogo da laranjeira ao Homem

Uma história, naturalmente.

Se todas as histórias começassem com um era uma vez, o que seria dos grandes amores, dos romances, que despertam com o curto olhar trocado numa caminhada pelo jardim? Mas se todos os amores nascessem ao primeiro olhar, para onde iriam as palavras?

E se as palavras da história que me contas fossem as flores e plantas de um jardim, trevos de três e quatro folhas ou amores-perfeitos; o pé de flor que precisa do seu tempo para germinar e crescer, sem que tu o vejas passar; também eu guardo nas minhas raízes momentos invisíveis que querem na minha evolução brotar. A laranjeira, que antes que possas apreciar a flor branca e provar da laranja, não sei mais do que existir num molho de ramos atado a uma cana madura, e mesmo que não encha os teus sentidos, estou viva e isso basta-me.

Não vou partir à descoberta, como tu. A mim, chega-me o mundo que preciso de ter para ser tudo o que me é proposto ser. Assim, se for largada distraidamente na terra quente durante a Primavera, se me deres da água fresca que vais beber, sol, e talvez a irmã cana madura para me guardar dos ventos do sul, serei a mais bela árvore que alguma vez sonhaste ver. Não te desiludirei, sabes, não faz parte da minha natureza. E eu entendo assim o mundo que para ti é cheio de mistérios.

E se o vento me quer a olhar o norte, todos os dias até que esta seiva adormeça, porque chorarei eu por não conhecer o sul, se o tempo me oferece daqui tanto para ver? E os pássaros que voam e vão, alguns não voltam, fazem alegres os meus dias com canções a que a minha voz não soa, e eu retribuo a dançar devagar. Gerações inteiras a passar… Isso dá-me esperança. Talvez um dia venha a ter grandes ramos para te abraçar. Não penses tu que não tenho o espírito aceso em mim. Não será a viçosidade dos meus diferentes tons e o respirar do meu aroma a forma que encontrei para te dizer que estou vivo, que existo? E não serão os meus frutos um sinal de vontade própria? Só terás de compreender que eu, eu só quero existir.

Os pássaros, esses são como tu. Têm asas. Ficaram num tempo onde a natureza que os move, a cada mudança de estação, é aquela que não me move a mim. E a tua, que não enche nem lagos, nem mares, nem tão pouco faz o dia e a noite aparecer, é a mesma, só que diferente. Tu indagas para que lado devem os teus ramos crescer. Tu gritas mil vezes ao céu, de mãos abertas, porque razão foi o vento do norte impedir-te de avistar também o sul! Tu mal conheces o mundo e fazes planos para lá viver. É a tua forma de existir. E eu, quando vir os navios ao fundo do horizonte vou saber que és tu, na tua viagem pela vida. E eu, quando te vir regar-me, vou saber que és tu, sem tão pouco adivinhar que vida vives para além da que me dás. Nisso somos iguais, vês?

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