segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

São fases

São fases como o dia e a noite, como o Inverno e o Verão. Mas tarda o Verão e o Inverno bate à porta todas as semanas. Os raios de luz, meros reflexos no vidro que se esbatem ao entrarem em minha casa, dão forma às poeiras que bailam e pairam sem outro sentido que a vontade do sol, esse breve sol de Inverno. Pelo menos há sol. São fases. E esbate-se a luz e vem a noite, uma nova fase, uma nova fase de lua nova. Esta noite não há luar, dizia o título de um livro, mas esta noite há estrelas que deixam no meu olhar o brilho da fase seguinte. Que seja melhor… Mas e são só duas as fases? Só preto e branco, só nu e cru? Hão-de existir intermédios! Nuances, cosidos e assados, vestidos elegantemente em trajes do antigamente, puxados em carroças fechadas conduzidas por um senhor vestido de negro e de cartola encabeçada. Mas e quem vai lá dentro? Vai o rei? Não, que a carroça não tem brocados de ouro. E, daí talvez vá o rei, o rei leitor que me leva a balançar uma vénia de esperança pelo meio-tom, pelo meio-termo, pela sua autorização para subir os cinquenta mil degraus até ver o verão, por fim chegar, e se for caso disso, me dê alento para ainda chegar a tempo de ver a Primavera surgir num botão de flor temerosamente revelado, e aí outra fase, que não as habituais duas, monótonas e distantes. Não deixem que se acabe a Primavera! Não a tomem num só sol quente de Verão! Não deixem o Outono só vir no Inverno, que as folhas pardas e douradas merecem ter o seu tempo, o seu tempo só para si, para o seu espectáculo a solo! Deixem a vida ter quatro estações. Não levem as crianças, nem os jovens, nem os adultos embora! Deixem-nos chegar à estação final. E às quatro menos um quarto chega o próximo comboio, mas não vai a lado nenhum com as crianças, os jovens e os adultos, leva os seniores a dar um passeio pela meia estação, um reviver de outros tempos com novas histórias para contar. Nada de luzes brancas e lúcidas ao fundo do túnel escuro da morte! Um reviver real, não lembrado; real, digno de príncipes, duques e condessas, de beijos trocados num qualquer apeadeiro na promessa de um outro beijo na manhã do devir. E os nossos avós lá vão mas voltam, cheios de pequenas flores brancas nos cabelos, quais puros incautos que são, e trazem também pedaços de uma terra nova onde há diferentes sentimentos dos quais nos habituámos a viver, todos humanos, feitos da mesma matéria e das mesmas lágrimas de sal. Trazem as luas como recordação e as cantigas e as histórias à volta do lume nos sacos de pano quentes como o pão, e nós devolvemos-lhes o espanto que merece a ruga da sabedoria e o franzir do conhecimento de quem já viu muitas guerras e que sabe que o Homem não muda, mas que pode mudar, tal como as poucas fases em que vivia há linhas atrás, há quinhentas e vinte palavras atrás. Graças ao rei que vai na carruagem, aos cinquenta mil degraus que subi, e às gerações que vivi e irei viver, conheço agora uma vida a cores, um banquete, talvez uma viagem de quatro estações. Até que um dia o sol se apague e não haja lua, nem estrelas, nem pão quente, nem lume para me aquecer.

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